''Todas as horas ferem, até que a última põe um fim...''

sexta-feira, 16 de abril de 2010

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Hoje pensei secretamente sobre algo que escrevi um dia. Sem revelação nas encostas do mundo, as nuances do dia-a-dia me carregaram, e num submundo de memória, vislumbrei-me num aqui que vivi naquele agora; juntando meus fragmentos eu compûs um pensamento, devaneio de hora, folga inútil: minhas lacunas e o limo entre elas.*
_Eu vi que eu já me dissera com interrogação 'será a hora de viver?', e a que eu temia tanto com aquele desconhecido que eu somava na tinta de meus livros, na sombra de meus traços, no desespero de uma esperança altiva?, o que me carregava pelos ombros como mão sutil e pesada? - o suficiente pra firmar meu caminho - e eu pegava à minha palma e decidia que naquela segurança eu queria trilhar meu caminho...
_Hoje eu tenho o mundo. E um abrigo vazio debaixo dos meus pés; terra infértil, terreno absoluto do tempo de engano daninho, fruto do tempo. Talvez eu já sabia desde lá que esse instinto de criação era mais que o rubro da fertilidade se despedindo de mim. Era um milagre. E não só na sua dádiva de receber. Mas no seu fardo de se doar. De entregar-se e assumir que metade do corpo é alma e eu temo de olhos bem abertos, inspirando fundo a brisa que me afoga de tudo, existindo num pulsar forte que 'rrebenta o mundo que se explica.
(e mediante...) Devora meus cílios e escurece a aurora (a luz é de dentro), os olhos só podem fecharem-se. E superar-se, suportar-se do manto de pele que não se equilibra sem esses fios frágeis de apuro além da beleza - agüentando com vida esse imenso, esse profundo, esse milagre que não dita hora, mas conduz tudo.
fecho os olhos e te vivo. e viro a página, és tu escrito. e um milagre apagado na vela. a imaginação e a espera. por viva memória, por discritiva história e repetido momento. viver.
Um medo preso na angústia e olhos limados pelas águas represadas quase sonho, quase ainda se é
ainda é. ainda.

* a cor de meus olhos

"(...) Peço humildemente para existir, imploro humildemente uma alegria, uma ação de graça, peço que me permitam viver com menos sofrimento, peço para não ser experimentada pelas experiências ásperas, peço a homens e mulheres que me considerem um ser humano digno de algum amor e algum respeito. Peço a bênção da vida."
(Clarice Lispector em Aprendendo a Viver)